Invitados Brasil:
Elisa Andrade Buzzo (São Paulo, 1981). É jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Depois de seu primeiro livro de poesias, Se lá no sol (Rio de Janeiro, 7Letras, 2005), seus trabalhos apareceram em revistas e antologias como Poesia do dia – poetas de hoje para leitores de agora (São Paulo, Ática, 2008). Co-edita a revista de literatura e artes visuais Mininas.
I
Vi, eu vi a felicidade
era branca e chamuscante
no dorso das gaivotas.
Riam de mim – eu juro –,
das minhas mãos sem altura.
II
As cartas devem chegar no bico rasante do vôo das gaivotas. Ou melhor, elas devem chegar no grito raivoso e enérgico do vôo das gaivotas. Aceitam pacíficas seu destino endereçado, seu retorno inviável. As cartas devem chegar embaladas pela música líquida das ruas movimentadas do centro da cidade. Na primeira claridade intensa, os mosaicos e as lixeiras reluzindo, no horário em que o sonho se redesenha em movimento, jornais e revistas expondo a crônica do dia. Objeto cara-metade, ainda que seja minha a marca inscrita, são mãos brancas de veias azuis que se confundem no papel e tinta.
Minha janela redonda
das coisas que existem e não existem,
onde vejo namoros ardentes de colegiais,
teatro em plena rua,
brigas de casais, furtos à meia-lua.
Fantasio outras ruas extemporâneas
com olhos biônicos de câmera de vigilância.
Monitoro vidas paralelas a essa
porque o tempo nesta janela é o do pensamento,
corre na velocidade das nuvens
e nunca se reconfigura como da primeira vez.
Minha janela redonda,
das coisas que se vêem e que não se vêem.
Donny Correia (São Paulo, 1980). Estudante da Letras na Unibero. Poeta e traductor, é productor cultural da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
O COMA 07
por todas as linhas do seu corpo nu
dispo-te o calor que há em nós
desvendo criaturas escondidas em teus cantos
beijo fantasmas que enganam meus lábios surtos
procuro vida em teus mil suicídios
procuro terra em teu sem-chão de chumbo
engano os olhos com paredes de seda
embrulho o vácuo em celofane carne
suor e culpa, saliva e sombras
foices verbos, faces vãs
a cama / do seu lado/ é mais saara
com vestes tuaregs flertando
com serpentes n’areia
o corpo é frio tal qual ametista
e cauteriza a cada rajada de espanto em looping
a pele é nua e indefesa ao toque.
é uma criança opaca – de vidro retórico
a pele é manto de lua e abismos
é ninho de loucura felina
é fleugma sem química alienígena aos sensos
unhas demarcam territórios
a golpes de asma e urgência
sinapses oblíquas
em curto
transformam falácias de pouca monta
em discursos soberanos à beira da guilhotina
você /tão cera/ desfalece
e escorre por entre vértebras em mim
beija minha medula e descansa desfeita
no colo ardido do meu outro
BONECAS
Ser a cadela
de todos os cães
e todos os cães
não bastam
ser a vadia imunda
no cio automático
rasgada por todos os falos
e todos os falos
não bastam
ser a putinha devassa
empalada, com gosto,
por vezes
e todas as vezes
não bastam
ser a piranha banhada
por porras ardidas
e alvas
e todas as porras
não bastam
ser a esposa, a amante,
a freira rompida
por todas as hóstias
e todas as hóstias
não bastam
ser a gulosa bulímica,
boqueteira anorexica,
e todos os boquetes
não bastam
ser a vagaba do século
comer fezes,
beber mijo
e toda a podreira
não basta
ser sua boneca inflada
com boca batráquia
e buça de pano
e toda a candura
não basta
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